A falta de leite de cabra para produzir queijo certificado do Rabaçal, em Penela, levou a autarquia a investir na recriação de um antigo rebanho comunitário, tirando partido das modernas tecnologias de comunicação.
Integrado na rede Aldeias do Xisto, o lugar de Ferraria de São João, na Serra da Lousã, chegou a ter um rebanho com mais de mil caprinos, mas esta atividade foi-se extinguindo à medida que a desertificação avançava, desde meados do século XX.
Premiado no Brasil, em setembro, o projeto FarmReal, envolvendo a Câmara de Penela e o Instituto Pedro Nunes (IPN) da Universidade de Coimbra, visa “contribuir para a conservação de uma atividade tradicional” com peso económico nos territórios de baixa densidade demográfica da Região Centro.
O queijo com Denominação de Origem Protegida (DOP) do Rabaçal distingue-se pela sua pasta mole, com sabor e aroma determinados por pastagens nas quais abunda a tomilhinha, popularmente conhecida por erva-de-santa-maria.
Segundo processos de produção ancestrais, este queijo DOP inclui leite de ovelha, mais disponível no mercado local, e leite de cabra, cuja escassez acompanhou o decréscimo do pastoreio nos maciços montanhosos da Lousã e de Sicó, de xisto e calcário, respetivamente, que se encontram no concelho de Penela.
“Tínhamos um problema, que era a falta de leite de cabra”, afirma o presidente da Câmara Municipal, Luís Matias, à agência Lusa, realçando a necessidade de “criar valor com base num produto muito forte” como o queijo DOP Rabaçal.
A autarquia, quando o ex-governante Paulo Júlio era presidente do executivo, aliou-se ao IPN, tendo o investigador António Cunha coordenado a conceção das soluções tecnológicas do projeto.
“Temos de induzir alguns elementos inovadores na atividade do pastoreio e pensamos que esta é uma forma de resolver o problema”, refere Luís Matias.
Contando com a participação da Associação de Moradores na gestão do projeto, a Câmara e o IPN querem repor o antigo rebanho comunitário em Ferraria de São João.
“O dono dos animais pode ser um brasileiro, um japonês, um inglês ou um lisboeta”, revela António Cunha, ao explicar que, em qualquer ponto do mundo, uma pessoa pode comprar uma ou mais cabras, podendo ainda optar pela adoção.
Atualizando “um conceito que já existia” em Penela, os promotores querem “manter o rebanho comunitário, mas os proprietários já não vão ser os habitantes da aldeia, mas sim quem acede à internet”, adianta.
Com apoio de fundos comunitários, a Câmara recuperou e adaptou vários currais em Ferraria de São João, que os donos disponibilizaram por um período de 12 anos.
Nas obras, foram gastos 25 mil euros, enquanto a parte imaterial do projeto representa um investimento de 50 mil euros, segundo Luís Matias, que está entusiasmado com as perspetivas de fazer regressar à aldeia o numeroso rebanho de outrora.
“Estes territórios vão ganhando mais massa crítica”, regozija-se o autarca social-democrata, ao salientar que, nos últimos dois anos, nasceram quatro crianças em Ferraria de São João, o que não acontecia há muito tempo.
António Cunha partilha deste otimismo. “Se eu posso estar no Facebook, o meu animal também pode”, exemplifica.
O investigador do IPN prevê que a instalação dos primeiros animais ocorra em 2014.
Em qualquer ponto do mundo, um cibernauta poderá consultar as imagens da sua cabra em tempo real.
Como num jogo virtual, saberá também o leite que ela produz por dia.
Desta vez, um sonho chamado FarmReal, concebido como aposta na economia real.
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